Na sucessão presidencial de 1994, a vitória de Fernando Henrique representou para o PT mais do que um revés nas urnas: foi uma derrota política autoinfligida pela decisão, ideologicamente motivada, de considerar o Plano Real um estelionato eleitoral - enquanto, nos comícios do tucano, as multidões agitavam notas da nova moeda. Só 8 anos depois, quando engavetou o programa aprovado no congresso partidário de Olinda e pintou o seu eterno candidato com as cores tranquilizadoras da paz e do amor, o PT se reabilitou politicamente ao aceitar o programa do ministro Palocci, de cujo êxito colhe agora os formidáveis dividendos eleitorais.
Desta vez, a se confirmarem as previsões de que Dilma Rousseff se elegerá no primeiro turno de 3 de outubro, a segunda derrota de José Serra certamente terá consequências para o seu partido muito diferentes das que produziram para o PT as derrotas de Lula da Silva. Na verdade, ao contrário do PT, o PSDB nunca teve jeito para ser oposição. Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, nunca pretendeu ser um líder popular. Já enfraquecido depois de oito anos fora do poder, o PSDB não tinha condições de ajudar Serra a se contrapor ao enorme prestígio de Lula e ao contentamento da população com o seu governo. Nem o candidato se tem esforçado para obter esse apoio.
O segundo fracasso consecutivo do petista não estilhaçou o partido nem o impediu de se manter à tona aos olhos dos setores da sociedade de que se fazia porta-voz, desencadeando uma furiosa, persistente e não raro torpe campanha contra a reforma do Estado promovida pelo governo do PSDB. No poder, aliás, o lulismo não se aventurou a revertê-la, apesar do aparelhamento e do inchaço da máquina federal.
Já um segundo fracasso das aspirações presidenciais de Serra irão muito além do destino de um dos mais experientes políticos brasileiros. Pelo que se pode prever, a partir do histórico da disputa pelo poder entre os principais grupos antagônicos em cena, as colunas do edifício político desabarão sobre os tucanos com uma força destrutiva que o PT jamais experimentou na esteira de um malogro nas urnas. A sigla da estrela não se desmoralizou depois de 1994 porque continuou a ter um líder de talento político e amplo apelo de massas, cuja obstinação não diminuiria nem com a derrota seguinte, daí a 4 anos, depois da qual o PT manteve a sua implantação no País e seguiu trajetória ascendente nas eleições locais e parlamentares.
No caso dos tucanos, vencido Serra, tudo irá conspirar contra a possibilidade de se reerguerem. Até onde a vista alcança, justamente quando Lula passar a faixa a uma figura que é o seu oposto em matéria de projeção pessoal e política, faltarão ao PSDB - ou ao que restar dele - as condições para finalmente exercer o papel de oposição de que se furtou quase sempre por medo da popularidade do presidente. A falta de condições pode ser antevista na crise da campanha de Serra. A cada nova pesquisa, mais os tucanos obedecem à chamada Lei de Muricy - a de cada um por si.
Ao que tudo indica, o destino do PSDB é o confinamento em um único reduto político de peso, com a quase certa eleição de Geraldo Alckmin em São Paulo. A eventual derrota do ex-vice-governador Antonio Anastasia para o ex-ministro Hélio Costa em Minas ainda privará o partido de um novo líder em condições de reconstruí-lo, como seria obviamente o caso de Aécio Neves, o patrono de Anastasia a quem Serra se impôs como presidenciável. A escassez de condições objetivas deverá se acentuar com os ganhos que a frente governista terá no Congresso. Na Câmara e no Senado, PT e PMDB disputam qual será o dono da maior bancada. Nessa última Casa, PSDB e DEM devem ficar com a metade de suas cadeiras atuais.
Desenha-se, enfim, um cenário sombrio em que a política se limitaria aos jogos de poder, com os sórdidos lances habituais, dentro da coalizão hegemônica. Estarão criadas as condições para o surgimento de uma versão brasileira - com duas faces, a do PT e a do PMDB - da "ditadura perfeita" vivida pelo México décadas a fio sob o controle do PRI, o Partido Revolucionário Institucional.
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