terça-feira, agosto 31, 2010

A oligarquia de esquerda


LUIZ FELIPE PONDÉ

A oligarquia de esquerda

O jargão "por uma sociedade mais justa" pode ser falado pelo pior dos canalhas



VOCÊ ACREDITA em justiça social? Tenho minhas dúvidas. Engasgou? Como pode alguém não crer em justiça social? Calma, já explico. Quem em sã consciência seria contra uma vida "menos ruim"? Não eu. Mas cuidado: o jargão "por uma sociedade mais justa" pode ser falado pelo pior dos canalhas. Assim como dizer "vou fazer mais escolas", dizer "sou por uma sociedade mais justa" pode ser golpe.
Aliás, que invasão de privacidade é essa propaganda política gratuita na mídia, não? O desgraçado comum, indo pro trabalho no trânsito, querendo um pouco de música pra aliviar seu dia a dia, é obrigado a ouvir a palhaçada sem graça dos candidatos. Ou o blablablá compenetrado de quem se acha sério e acredita que sou obrigado a ouvi-lo.
Mas voltando à justiça social, proponho a leitura do filósofo escocês David Hume (século 18), "An Enquiry Concerning the Principles of Morals, Section III". Cético e irônico, Hume foi um dos maiores filósofos modernos. É conhecida sua ironia para com a ideia de justiça social. Ele a comparava aos delírios dos cristãos puritanos de sua época em busca de uma vida pura. Para Hume, os defensores de um "critério racional" de justiça social eram tão fanáticos quanto os fanáticos da fé.
Sua crítica visava a possibilidade de nós termos critérios claros do que seria justo socialmente. Mas ele também duvidava de quem estabeleceria essa justiça "criteriosa" e de como se estabeleceria esse paraíso de justiça social no mundo. Se você falar em educação e saúde, é fácil, mas e quando vamos além disso no "projeto de justiça social"? Aqui é que a coisa pega.
Mas antes da pergunta "o que é justiça social?", podemos perguntar quem seriam "os paladinos da justiça social". Seria gente honesta? Ou aproveitadores do patrimônio dos outros e da "matéria bruta da infelicidade humana", ansiosos por fazer seus próprios patrimônios à custa do roubo do fruto do trabalho alheio "em nome da justiça social"? Humm...
A semelhança dos hipócritas da fé que falavam em nome da justiça divina para roubar sua alma, esses hipócritas falariam em nome da justiça social para roubar você. Ambas abstratas e inefáveis, por isso mesmo excelentes ferramentas para aproveitadores e mentirosos, as justiças divina e social seriam armas poderosas de retórica autoritária e mau-caráter.
Suspeito de que se Hume vivesse hoje entre nós, faria críticas semelhantes à oligarquia de esquerda que se apoderou da máquina do governo brasileiro manipulando uma linguagem de "justiça social": controle da mídia, das escolas, dos direitos autorais, das opiniões, da distribuição de vagas nas universidades, tudo em nome da "justiça social". Ataca-se assim, o coração da vida inteligente: o pensamento e suas formas materiais de produção e distribuição.
A tendência autoritária da política nacional espanta as almas menos cegas ou menos hipócritas. A oligarquia de esquerda associa as práticas das velhas oligarquias ao maior estelionato da história política moderna: a ideia de fazer justiça social a custa do trabalho (econômico e intelectual) alheio.
Outro filósofo britânico, Locke (século 17), chamava a atenção para o fato de que sem propriedade privada não haveria qualquer liberdade possível no mundo porque liberdade, quando arrancada de sua raiz concreta, a propriedade privada (isto é, o fruto do seu esforço pessoal e livre e que ninguém pode tomar), seria irreal.
Instalando-se num ambiente antes ocupado pela oligarquia nordestina, brutal e coronelista, e sua aliada, a chique oligarquia industrial paulista, os "paladinos da justiça social" se apoderam dos mecanismos de controle da sociedade e passam a produzir sucessores e sucessoras tirando-os da cartola, fazendo uso da mais abusiva retórica e máquina de propaganda.
Engana-se quem acha que propriedade privada seja apenas "sua casa". Não, a primeira propriedade privada que existe é invisível: sua alma, seu espírito, suas ideias. É sobre elas que a oligarquia de esquerda avança a passos largos. Em nome da "justiça social" ela silenciará todos.

sexta-feira, agosto 27, 2010

A incrível e triste história da joaninha boba e da vespa desalmada. Ou: Para Luiz Carlos Mendonça de Barros


A incrível e triste história da joaninha boba e da vespa desalmada. Ou: Para Luiz Carlos Mendonça de Barros

a-vespa-e-a-joaninhaAnunciei ontem que publicaria um ensaiozinho aqui da lavra deste escriba. Ele segue abaixo. Vocês não rejeitam textos longos, eu sei (ou não seriam meus leitores, hehe). Até gostam disso. Acho que vale a pena. Eu o reputo um dos mais claros que já escrevi. Vocês estranharão algumas coisas na trajetória. Ao fim, tudo se esclarecerá. Vamos lá?
*
A reforma da Previdência do governo FHC era criminosa; uma ainda mais severa no governo do PT foi virtuosa. Um superávit primário de 3,75% sob o comando do “neoliberal” FHC era criminoso; o de oficiais 4,25%, chegando a quase 6%, sob o comando de um “operário”, foi virtuoso. Com FHC na Presidência, o Ministério Público era a antítese virtuosa; com Lula lá, passou a ser a antítese criminosa. CPIs contra tucanos denunciavam crimes contra o povo; CPIs contra petistas é que são crimes contra o povo. Juros altos, sob o tucanato, faziam a vontade criminosa dos banqueiros; guiados pela estrela, passaram a ser um distintivo de suas virtudes. Foro especial para autoridades, quando o poder estava com o príncipe dos sociólogos, era crime de lesa-democracia; com a entronização do Moderno Príncipe, até uma MP para beneficiar um só virou encarnação da virtude. Privatizações com regras na gestão anterior eram privataria; “parcerias” do estado com a iniciativa privada, num mar de desregramento, provaram a adesão virtuosa do PT à economia de mercado.
Verá o leitor que há um propósito em tantas vezes se repetirem acima as palavras “criminoso” e “virtuoso” e outras de mesma raiz. À beira de completar um quarto de século, período em que cresceu encabrestando ou aparelhando todos os Poderes e instâncias da República, fossem as organizações do Estado, fossem as da sociedade civil, o PT se organiza para ficar no poder - se possível, para sempre. Fantasmagoria? Obviedade? Afinal, não será mesmo esta a vocação de qualquer partido: a permanência? Não se estaria aqui lendo como negativo o que é uma virtude? Respondo com um sonoro “depende”. Depende de quais instrumentos acatamos como legítimos na disputa política. Depende de considerarmos ou não aceitável que um partido construa, ao longo de mais de duas décadas, um patrimônio de luta política, com um conjunto claro de proposições (por mais doidivanas e irrealistas que fossem), para, por razões tão táticas quanto estratégicas, repudiá-lo uma vez eleito.
E, neste ponto, inicio uma anotação central para o entendimento do que está em curso: o PT foi tático quando aderiu ao conjunto de soluções que antes satanizara: temia, afinal, ser colhido pela voragem dos mercados. E foi também estratégico: essa “adesão” serviu para mascarar a sua essência autoritária, desarmando o espírito dos adversários, que então se deram por satisfeitos e consideraram um avanço que o partido tivesse renunciado a seu ideário esquerdista. Noto que, com efeito, procurar no petismo sinais de socialismo à cubana é tolice e perda de tempo - ainda existem brotoejas, mas irrelevantes. O que o PT conserva da herança esquerdista é o dirigismo, a vocação autoritária, o entendimento de que a sociedade deva ser conduzida por um ente de razão que é, a um só tempo, supra-histórico e encarnação da própria história. A crítica ao estelionato eleitoral não pode e não deve se esgotar nas muitas vezes em que o partido nega seu passado. Eis uma acusação a que a cúpula partidária responde com conforto: ora evoca a sua maturidade, ora confessa as “bravatas”, ora atribui suas ações à herança maldita.
Atrevo-me a propor um ponto de vista e uma consideração que me parecem novos: para o PT, “trair” o seu ideário era parte do jogo. Até porque não havia propriamente um ideário, mas a determinação de construir o partido como ente de razão.
Nem o PT nem o Partido Comunista Chinês são incompatíveis com a economia de mercado, com a globalização ou com o capitalismo.
A aposta de ambos, cada um respondendo a necessidades particulares, é a de que a “desordem capitalista” é passível de comando. E esse comando é incompatível com as melhores conquistas da sociedade democrática e do Estado de Direito. O que é esse tal Estado de Direito senão aquele em que nenhum ente a outro se sobrepõe como absoluto? O que é o Estado de Direito senão a impossibilidade de haver uma instância que, por absoluta, possa regular-se a si mesma?
Haver hoje no Brasil um sólido apoio de boa parte do empresariado ao governo do PT é, em vez de contradição, prova inequívoca de que, bem-sucedido na tática, o partido também logra os benefícios de uma bem-urdida estratégia de convencimento e inserção. A realidade se impõe como piada explícita: depois de ter conquistado a hegemonia nos sindicatos de trabalhadores, o partido finca a sua bandeira na Fiesp. É perfeitamente possível emascular a democracia de suas defesas antiautoritárias sem, no entanto, afrontar a lógica de mercado - a rigor, dada a construção atual, o petismo se mostra tão mais tentado ao stalinismo político quanto mais se dá ao mercadismo.
GRAMSCI E DISTOPIA
Um pouco de teoria ilumina o caminho. Mais de uma vez, já aludi a uma assustadora formulação de Antonio Gramsci, teórico comunista italiano, sobre o papel que reservava ao “partido”. Ele não estava se referindo, bem entendido, a um partido (que ele chama de “Moderno Príncipe”) empenhado em promover a conquista do poder por meio da luta armada, à moda russa. A “revolução” gramsciana se dá por intermédio do poder tentacular do Moderno Príncipe, que se utiliza das fissuras do “Estado burguês” e da tolerância política para cultivar os seus valores divergentes - mais ou menos à feição de certa vespa que põe o ovo no ventre de uma joaninha: a coitada passa à condição de hospedeira de um alien, que dela se alimenta enquanto a destrói. A vinda da larva da vespa à luz coincide com a morte da joaninha.
A guerra gramsciana tem como território as consciências. Deixemos que ele mesmo fale:
“O Moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o seu poder ou para opor-se a ele. O Moderno Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.
Nem George Orwell sintetizou como distopia o horror que Gramsci resume como utopia. Há ali, de fato, os prolegômenos da ditadura perfeita. Reparem que não será o conteúdo dessa ou daquela proposições a determinar clivagens políticas ou sociais. “Crime” e “virtude”, palavras que nos devolvem lá ao primeiro parágrafo, se definirão segundo a necessidade, o interesse e a construção do Moderno Príncipe. Não estranha que os comunistas, ao longo da história, tenham feito tanta lambança (sempre em nome de causas ditas “progressistas”…), justificando, aqui e alhures, os atos os mais pusilânimes e cruéis, desde que pudessem evocar em seu favor uma causa humanista.
Tal prática, a rigor, antecede as formulações de Gramsci. Este, em verdade, é fruto dessa vivência e dessa visão de mundo e passou, depois, a ser um dos doutores dessa religião sem deus, desse “laicismo moderno”. Aos leitores recomendo a peça As Mãos Sujas, de Sartre, que trata de um assassinato político em nome da causa. É uma denúncia contundente desse mecanismo de pensamento. Mais tarde, o próprio autor cairia vítima do que havia denunciado, o que só serve de advertência para o poder insidioso do Moderno Príncipe.
TEORIA CONSPIRATÓRIA?
Aqui, uma outra porta importante se abre ao entendimento. A primeira (e talvez principal) tarefa do Moderno Príncipe consiste em alterar o DNA dos valores ideológicos, fazendo com que os adversários passem a duvidar das suas próprias certezas e valores, tornando-os, tanto quanto possível, hospedeiros da ideologia destinada a eliminá-los. No mês passado, num intervalo de três semanas, viu-se “O Partido”:
- 1) dar à luz o projeto dirigista da Ancinav, a agência de cultura que pretendia ser uma espécie de Conselho Inferior de Censura para artes e espetáculos;
- 2) enviar ao Congresso o projeto de lei criando o Conselho Federal de Jornalismo;
- 3) tentar instituir a Lei do Silêncio ao funcionalismo público;
- 4) ameaçar com o compartilhamento, entre todos os órgãos da administração federal, dos dados de quebra de sigilo fiscal e bancário;
- 5) cobrir o país com a sombra da ameaça em razão de mais de 1,7 mil sigilos bancários quebrados pela CPI do Banestado.
A simples sugestão de que tais ações possam estar coordenadas num propósito, de que todas elas têm, em comum, a ameaça do dirigismo e da criação de um Estado mais policial do que democrático, de que há método por trás dessa aparente bagunça, leva, inevitavelmente, o crítico a ser considerado uma pobre vítima das teorias conspiratórias. É claro que o PT, nessa hora, se aproveita do fato de que a análise política, no Brasil, é chinfrim, desinformada e carente de leitura. Soa antipático perguntar, mas eu não teria chegado até aqui se quisesse só granjear simpatias: quantos conhecem a teoria gramsciana? O que o jornalismo e boa parte da academia realmente leram sobre a trajetória da esquerda e suas estratégias de poder?
Forçar o observador a duvidar daquilo que vê, levando-o a apontar nuances de virtude numa prática obviamente autoritária, é parte do jogo, é parte da “subversão e todo o sistema de relações intelectuais”. No ponto extremo dessa atitude, ridiculariza-se o crítico, acusando-o de lunático, como se estivesse a denunciar a abdução de humanos por extraterrestres.
O DINHEIRO PÚBLICO
As cinco ações citadas como evidências recentes de arreganho autoritário podem ser implementadas sem uma afronta formal ao sistema democrático. O PT é mestre na prática de usar a democracia para solapá-la, sobressaindo o sistema de contribuição de filiados ao partido como a mais escandalosa prova de que já não se distinguem partido, governo, Estado e sociedade. A lógica é elementar: se o partido terá menos dinheiro ou mais a depender da quantidade de filiados que nomeie, está em suas mãos decidir que parcela de recursos públicos vai diretamente para ao caixa administrado por Delúbio Soares. O partido se torna o único regulador dessa relação, infenso a qualquer outra mediação, controle ou fiscalização.
O partido, sabe-se, vive do que o onipresente Delúbio consegue arrecadar lá à sua maneira e da tal contribuição de filiados. Os petistas que trabalham na iniciativa privada doam ou não uma parte de sua renda à Igreja Pentecostal do Petismo a depender dos “direitos” que pretendem ter como militantes. Ocupar um cargo público é, digamos, uma honraria na hierarquia dessa teologia. Se não contribui, não tem cargo. E isso escancara uma evidência: o PT se considera o dono natural e original dos recursos que pagam os eleitos e nomeados. Estes seriam meros intermediários dessa posse.
A presunção é a de que a bufunfa sairia do caixa do Estado com ou sem a contribuição obrigatória. É verdade. Mas é uma verdade que esconde um embuste milionário. Ser a decisão do partido de nomear mais filiados ou menos uma âncora de ajuste de seu próprio caixa já expõe, por si, a natureza do problema. “Não é ilegal”, muitos dirão. Mais ou menos, já que há uma cláusula branca de exclusão na nomeação, que pode ser entendida como chantagem (”Ou dá o dinheiro ou não é indicado”), não regulada por qualquer código. O fato de que a ilegalidade essencial jamais vai se encontrar com a prova material não muda a substância imoral do problema.
TÁ TUDO DOMINADO?
Enganam-se os que acreditam que estou aqui a concluir, a exemplo de certo refrão popular, que “tá tudo dominado”, como se a fantasmagoria gramsciana já  tivesse sido perfeitamente realizada. Eu, não! Nem pretendo superestimar o petismo nem creio, à diferença de algumas estrelas do partido que já estão por aí desenhando cenários para o Brasil de 2022!!!, que seu modelo já seja vitorioso.
Também aposto, a exemplo de muitos, nas virtudes das instituições brasileiras. Evito apenas tomar por corriqueiro, com olhos de déjà-vu, isto que já é mais do que um projeto de poder (porque em parte realizado) e que, na sua versão presente, conjuga economia de mercado com vocação dirigista, submetendo à mesma influência e ao mesmo ente de razão tanto o ultra-esquerdismo do MST como o, vá lá, liberalismo da Fiesp. Mais ainda: parte da consecução desse poder se alimenta, de forma parasitária, das gorduras e das proteínas da sociedade livre, como aquela larva da vespa incrustada no abdômen da joaninha.
A novidade desse arranjo em relação a tudo o que já se viu no país está - e seria bom que cientistas sociais e mesmo jornalistas tentassem demonstrar que assim não é, o que teria a virtude de estabelecer o debate - num partido que limita a sua própria história e a do país ao presente eterno (definindo, pois, o criminoso e o virtuoso segundo a necessidade da hora) e que se aproveita da enorme porosidade do sistema político e intelectual da democracia às investidas do discurso de esquerda para reescrever o passado, substituindo os fatos idos pela permanente mistificação do presente.
A prova escancarada viu-se quando o governo transformou, com a ajuda de parte da imprensa, em mérito seu a balança comercial de 2003, de US$ 24,8 bilhões.  Como Lula não é o midas da soja ou dos manufaturados, tampouco o cristo da multiplicação da lavoura e da produção industrial, aquele desempenho era resultado, ora vejam!, da dita “herança maldita” de FHC.
Sim, a política, e só ela, mais do que a economia, pode abalar essa construção, redefinindo estratégias. A política, em suma, não morreu. Não ainda. Nem tudo o que não é vespa é joaninha.
*
Encerrando
Como notaram pelos eventos citados no texto, ele já tem algum tempinho. Sabem quanto? MAIS DE SEIS ANOS!!! Eu o publiquei no nº 31 da revista Primeira Leitura, de setembro de 2004, como sabem os muitos leitores que têm em casa a coleção completa. Lula estava no poder havia apenas um ano e nove meses.  Ele integra um conjunto de textos em que eu criticava o comportamento tímido da oposição, que evitava o confronto com o petista, preferindo parabenizar o governo porque Antonio Palocci se mostrava, afinal, “um ortodoxo”.
E o que eu dizia ali? Ser comportadinho em economia fazia parte do figurino autoritário do PT. E denunciava as estratégias de ocupação do aparelho de estado e a forma insidiosa como a sociedade começava a ser substituída pelo partido. Nesse sentido, a metáfora fornecida pela natureza — a vespa que “insemina” a joaninha — é perfeita. E vejam ali: Delúbio, que se tornaria notório só em meados do ano seguinte, já era personagem importante da fábula macabra.
Nessa mesma edição, o filósofo Roberto Romano assinava um artigo intitulado “Todas as mordaças”, em que denunciava as investidas autoritárias do PT contra o estado de direito. Sabem quem era o dono da revista em 2004? Luiz Carlos Mendonça de Barros, o mesmo que teve agora violado o seu sigilo fiscal. Não, “eles” não gostavam da nossa revista, que resistiu até abril de 2006.
O que sinto ao reler um texto como o que vai acima? Desagrada-me que muitos dos meus temores estejam aí, como realidade palpável. Mas também, confesso, sinto satisfação intelectual. Poucos viam o que estava em curso. Eu era um deles. À época, algumas pessoas me disseram: “Não seja apocalíptico”. Nunca sou! Considero-me apenas realista. E continuarei na batalha, com os mesmos valores que me animavam então e que me animam ainda hoje.
Republico o texto também como uma homenagem a meu amigo Luiz Carlos Mendonça de Barros, alvo, mais uma vez, da canalha autoritária. Tentaram moer a sua reputação, e ele provou, por A + B, a sua decência. Seguirá sendo um dos grandes responsáveis pela modernização da economia brasileira.
Eis aí, amigão! Estávamos certos!
Por Reinaldo Azevedo
 
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-incrivel-e-triste-historia-da-joaninha-boba-e-da-vespa-desalmada-ou-para-luiz-carlos-mendonca-de-barros/

terça-feira, agosto 24, 2010

O risco de um PRI brasileiro

Edital do Estadão:


Na sucessão presidencial de 1994, a vitória de Fernando Henrique representou para o PT mais do que um revés nas urnas: foi uma derrota política autoinfligida pela decisão, ideologicamente motivada, de considerar o Plano Real um estelionato eleitoral - enquanto, nos comícios do tucano, as multidões agitavam notas da nova moeda. Só 8 anos depois, quando engavetou o programa aprovado no congresso partidário de Olinda e pintou o seu eterno candidato com as cores tranquilizadoras da paz e do amor, o PT se reabilitou politicamente ao aceitar o programa do ministro Palocci, de cujo êxito colhe agora os formidáveis dividendos eleitorais.

Desta vez, a se confirmarem as previsões de que Dilma Rousseff se elegerá no primeiro turno de 3 de outubro, a segunda derrota de José Serra certamente terá consequências para o seu partido muito diferentes das que produziram para o PT as derrotas de Lula da Silva. Na verdade, ao contrário do PT, o PSDB nunca teve jeito para ser oposição. Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, nunca pretendeu ser um líder popular. Já enfraquecido depois de oito anos fora do poder, o PSDB não tinha condições de ajudar Serra a se contrapor ao enorme prestígio de Lula e ao contentamento da população com o seu governo. Nem o candidato se tem esforçado para obter esse apoio.

O segundo fracasso consecutivo do petista não estilhaçou o partido nem o impediu de se manter à tona aos olhos dos setores da sociedade de que se fazia porta-voz, desencadeando uma furiosa, persistente e não raro torpe campanha contra a reforma do Estado promovida pelo governo do PSDB. No poder, aliás, o lulismo não se aventurou a revertê-la, apesar do aparelhamento e do inchaço da máquina federal.

Já um segundo fracasso das aspirações presidenciais de Serra irão muito além do destino de um dos mais experientes políticos brasileiros. Pelo que se pode prever, a partir do histórico da disputa pelo poder entre os principais grupos antagônicos em cena, as colunas do edifício político desabarão sobre os tucanos com uma força destrutiva que o PT jamais experimentou na esteira de um malogro nas urnas. A sigla da estrela não se desmoralizou depois de 1994 porque continuou a ter um líder de talento político e amplo apelo de massas, cuja obstinação não diminuiria nem com a derrota seguinte, daí a 4 anos, depois da qual o PT manteve a sua implantação no País e seguiu trajetória ascendente nas eleições locais e parlamentares.

No caso dos tucanos, vencido Serra, tudo irá conspirar contra a possibilidade de se reerguerem. Até onde a vista alcança, justamente quando Lula passar a faixa a uma figura que é o seu oposto em matéria de projeção pessoal e política, faltarão ao PSDB - ou ao que restar dele - as condições para finalmente exercer o papel de oposição de que se furtou quase sempre por medo da popularidade do presidente. A falta de condições pode ser antevista na crise da campanha de Serra. A cada nova pesquisa, mais os tucanos obedecem à chamada Lei de Muricy - a de cada um por si.

Ao que tudo indica, o destino do PSDB é o confinamento em um único reduto político de peso, com a quase certa eleição de Geraldo Alckmin em São Paulo. A eventual derrota do ex-vice-governador Antonio Anastasia para o ex-ministro Hélio Costa em Minas ainda privará o partido de um novo líder em condições de reconstruí-lo, como seria obviamente o caso de Aécio Neves, o patrono de Anastasia a quem Serra se impôs como presidenciável. A escassez de condições objetivas deverá se acentuar com os ganhos que a frente governista terá no Congresso. Na Câmara e no Senado, PT e PMDB disputam qual será o dono da maior bancada. Nessa última Casa, PSDB e DEM devem ficar com a metade de suas cadeiras atuais.

Desenha-se, enfim, um cenário sombrio em que a política se limitaria aos jogos de poder, com os sórdidos lances habituais, dentro da coalizão hegemônica. Estarão criadas as condições para o surgimento de uma versão brasileira - com duas faces, a do PT e a do PMDB - da "ditadura perfeita" vivida pelo México décadas a fio sob o controle do PRI, o Partido Revolucionário Institucional.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Testando blog por celular

Aeromoças nos anos 60

 

Acima fotos dos uniformes das aeromoças da Southwest nos anos 60, época em que a maioria dos passageiros eram homens de meia idade e as companhias aérias se preocupavam até demais para que os passageiros tivessem um voo confortavel.

terça-feira, agosto 03, 2010

"Regime do Irã não deveria ser reconhecido", diz ONG a Lula; leia carta na íntegra

MINA AHADI
DO COMITÊ INTERNACIONAL CONTRA EXECUÇÕES
Caro presidente Lula da Silva,
Sua oferta de asilo no Brasil para Sakineh Ashtiani, sentenciada à morte por ter feito sexo fora do casamento, é um passo importante para salvar a ela e seus filhos. Espero que com as muitas ações e esforços internacionais em curso no momento possamos salvar Sakineh e que ela e seus filhos possam voltar a se abraçar o mais cedo possível.
Agora que escrevo esta carta tenho diante de meus olhos o rosto de Maryam Ayoubi, morta por apedrejamento em 2001. Vejo o rosto de Shahnaz, Shahla, Kobra e dezenas de outras mulheres que foram enterradas até a altura do peito e mortas com pedras arremessadas contra elas. São imagens que continuo a ter diante de meus olhos. As vozes das crianças que me telefonaram para dizer que "nossa mãe foi morta por apedrejamento"-- continuo a ouvi-las. É esse o regime islâmico. Os governantes do Irã não conseguiriam sobreviver por um dia sem execuções, terror e sem espalhar o medo. Ainda que o regime islâmico tenha recuado um pouco devido à pressão da campanha pela salvação de Sakineh, tenta continuar espalhando o medo na sociedade por meio da execução de outros prisioneiros, especialmente prisioneiros políticos.
Hoje, dia 2 de agosto, nove prisioneiros foram sentenciados à morte em Kerman. Além disso, a promotoria em Teerã sentenciou seis prisioneiros políticos à morte, entre os quais Jafar Kazemi, que pode ser executado a qualquer momento. Zeynab Jalalian, outro prisioneiro político, também corre risco iminente de execução. Há mais pessoas na lista de execuções: Mohammad Reza Haddadi foi sentenciado à morte quando ainda menor de idade e agora, depois de completar 18 anos, pode ser executado a qualquer momento. Há mais de 130 menores idade prisioneiros e sentenciados à morte. O regime islâmico é o único do mundo a executar menores de idade.
Presidente Lula da Silva, existem hoje 17 famílias de prisioneiros políticos em greve de fome diante da prisão de Evin, em Teerã, para demonstrar solidariedade à greve de fome iniciada por seus filhos dentro da prisão alguns dias atrás. Trata-se de um protesto contra a brutalidade das autoridades da prisão para com os prisioneiros políticos. Além disso, o destino de três jovens alpinistas norte-americanos e as lágrimas de suas mães entristece as pessoas. O regime iraniano deteve os parentes do Sr. Mostafaei, o advogado de Sakineh Ashtiani, e os está retendo como reféns até que ele se entregue.
Presidente Lula da Silva, o Irã é um país com um regime brutal e criminoso. Trata-se de um regime homicida que deveria ser condenado por todos os povos e todos os governos. Permita-me, como representante do povo oprimido do Irã, dizer que não apenas desejo salvar Sakine e abolir o apedrejamento como também apelo a todos os chefes de Estado para que não reconheçam o regime islâmico como representativo do povo iraniano, e sim o vejam como o assassino do povo do Irã.
O regime é um governo de apedrejamentos e execuções, que lança pessoas à prisão a cada dia e corta suas mãos e pés. Trata-se de um regime que executa mais pessoas, em termos per capita, do que qualquer outro governo do mundo. Um regime como esse não deveria ser reconhecido pelas organizações internacionais e por chefes de Estado.
Cordialmente,
Mina Ahadi, porta-voz do Comitê Internacional Contra Execuções e do Comitê Internacional Contra o Apedrejamento